quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

DIFICULDADES COM A APRENDIZAGEM - A PSICOPEDAGOGIA HOJE


Isabel Cristina Hierro Parolin
A Psicopedagogia tem por objeto de estudo a aprendizagem como um processo individual, em que a trajetória da construção do conhecimento é valorizada e entendida como parte do resultado final.
Vivemos na era do conhecimento. Não se pode pensar no exercício da cidadania sem que o cidadão tenha acesso à formação acadêmica mínima de oito anos mas, na prática, a sociedade demonstra que a exigência real de um segundo grau e, de preferência, com um pós-médio. Temos visto que para exercer qualquer profissão, seja ela a mais simples ou a mais complexa, a pessoa será submetida a treinamentos que devem passar, não apenas por especificidade da função e do local de trabalho, mas por treinamentos de ética, qualidade, perfil de cliente, economia, etc. A pessoa é valorizada por seus diplomas mas também por sua capacidade de construir conhecimento, de gerar instrumentos e serviços adequados ao contexto sócio-econômico-cultural. Por outro lado, também estamos vivendo em plena era de globalização, em que o conhecimento e as descobertas científicas circulam com uma incontrolável rapidez e as próprias instituições de ensino têm dificuldade em acompanhar o fluxo dessas informações. É extremamente fácil acontecer um avanço científico em determinada área do conhecimento sem que o profissional especializado saiba, ou ainda, é possível que uma outra pessoa, de outra área do conhecimento venha a saber dessas descobertas antes do especialista. Ao mesmo tempo que o conhecimento circula com facilidade por todos os lados, é necessário saber como encontrá-lo, ter acesso à tecnologia adequada e às fontes de informações. É fundamental selecionar e priorizar o conhecimento. Diante disso, surge a pergunta: só a informação basta? Sabe-se que não. O que fará a diferença é a forma como a pessoa integra uma informação, transforma-a em aprendizagem e a coloca a serviço da comunidade. Nessa perspectiva, a freqüência à escola não garante o salto qualitativo que requer o movimento social. A Psicopedagogia tem por objeto de estudo a aprendizagem como um processo individual, em que a trajetória da construção do conhecimento é valorizada e entendida como parte do resultado final. A preocupação maior da Psicopedagogia é o ser que aprende, o ser cognoscente e o seu objetivo geral é desenvolver e trabalhar esse ser de forma a potencializá-lo como uma pessoa autora, construtora da sua história, de conhecimentos, e adequadamente inserida em um contexto social. O trabalho da Psicopedagogia é evitar ou debelar o fracasso escolar em uma visão do sujeito como um todo, objetivando facilitar o processo de aprendizagem. O ser sob a ótica da Psicopedagogia é cognitivo, afetivo e social. É comprometido com a construção de sua autonomia, que se estabelece na relação com o seu "em torno", à medida que se compromete com o seu social estabelecendo redes relacionais. "Para o pensador sistêmico, as relações são fundamentais" (CAPRA, p 47)A dificuldade de aprendizagem nessa definição é entendida e trabalhada com um agente dificultador para a construção do aprendiz que é um ser biológico, pensante, que tem uma história, emoções, desejos e um compromisso político-social. "A Psicopedagogia tem como meta compreender a complexidade dos múltiplos fatores envolvidos nesse processo" (RUBINSTEIN, p 127)Nem sempre a Psicopedagogia foi entendida da forma como aqui está caracterizada.A Psicopedagogia, inicialmente, começou tendo como pressuposto que as pessoas que não aprendiam tinham um distúrbio qualquer. (BOSSA, p.42) A preocupação e os profissionais que atendiam essas pessoas eram os médicos, em primeira instância e, em segunda Psicólogos e Pedagogos que pudessem diagnosticar os déficits. Os fatores orgânicos eram responsabilizados pelas dificuldades de aprendizagem na chamada época "patologizante" A criança ficava rotulada e a escola e o sistema a que ela pertencia, se eximiam de suas responsabilidades: "Ela (a criança) tem problemas..."Posteriormente, com a ampliação da visão de que o sujeito não é apenas um ser racional, os psicopedagogos passaram a estudar e a avaliar o processo da aprendizagem. Porém, essa observação levou a uma prática pautada no refazimento do processo de aprendizagem e requeria reposição de conteúdos e repetições até que a criança aprendesse. A criança ficou subdividida em setores e não havia articulação entre o emocional, a cognição, o motor e o social.Os vários profissionais envolvidos na questão aprendizagem foram percebendo que não bastava retirar o eixo da patologia para a aprendizagem, mas era necessário saber que sujeito era esse, de onde ele vinha e para onde ele queria e podia ir. A constatação que apenas uma área do conhecimento não conseguiria respostas absolutas e definitivas para a situação, deflagrou o que é hoje a Psicopedagogia. Os profissionais interessados nas questões de aprendizagem entenderam que o caminho era a interdisciplinaridade para compreender a complexidade desse fenômeno. A partir de diferentes referenciais teóricos, tais como a Pedagogia, a Psicologia, a Fonoaudiologia, a Psicanálise, a Sociologia, a Neurologia, etc. foram se construindo e pesquisando outros referenciais, outros instrumentos, outras sínteses. Esse conhecimento foi construído a partir do encontro desses profissionais, pautado em teorias, experimentos, pesquisas, práticas diferenciadas e, o mais provocante, de uma realidade que teimava em incomodar - o fracasso escolar!Neste raciocínio, a Psicopedagogia não é a justaposição da Psicologia e da Pedagogia e, nem tampouco, um Pedagogo ou um Psicólogo "mais especializado". A Psicopedagogia se propõe a investigar e a entender a aprendizagem com base no diálogo entre as várias disciplinas. O Psicopedagogo é um outro profissional, com um outro referencial, a partir de um outro conhecimento e com um outro olhar.A psicopedagogia, hoje, é entendida num contexto de interdisciplinaridade, sem contudo, perder de vista que "Os diferentes níveis de Realidade são acessíveis ao conhecimento humano graças à existência de diferentes níveis de percepção, que se acham em correspondência biunívoca com os níveis de realidade... sem jamais esgotá-la completamente." (NICOLESCU, p 56)Diante desses avanços, a criança que não está conseguindo aprender é entendida e trabalhada, não como alguém que possui um déficit ou um problema, mas como um aprendiz que possui um estilo de aprender diferente, que está diretamente relacionado ao estilo de família e da comunidade a que pertence.Em face da complexidade das questões aqui levantadas e da delicadeza do nosso objeto e objetivo de trabalho, não prescindimos dos nossos parceiros. Trabalhamos e necessitamos dos Pedagogos, dos Psicólogos, dos Fonodiólogos, etc, mas possuímos os nossos instrumentos de trabalho, os nossos referenciais, a nossa escuta e o nosso olhar. Analisando a trajetória aqui apresentada, fica claro o entendimento do porquê da formação em Psicopedagogia estar organizada na forma de pós-graduação. Ela exige do aprendiz uma articulação, uma abordagem e um avanço qualitativo inerentes a uma maturidade profissional e acadêmica. Portanto, é necessário muito cuidado na escolha do curso de pós-graduação em Psicopedagogia. Devemos analisar a oferta de disciplinas inerentes a aprendizagem, o número de horas ofertadas, se os professores são psicopedagogos especialistas, se tem estágio supervisionado por um psicopedagogo. Os profissionais psicopedagogos, quando inquirido da necessidade ou relevância do curso de Psicopedagogia ser de especialização, testemunham que apenas a formação é insuficiente para entender e trabalhar, competentemente, com a aprendizagem e seus possíveis percalços.Onde trabalham os psicopedagogos? Como trabalham? Quais as suas ferramentas de trabalho? Os psicopedagogos trabalham em clínicas, em atendimentos individuais, em instituições escolares, hospitais e empresas onde se promova aprendizagem. Os recursos são os que possibilitem entender quais as dificuldades que aquele aprendiz está enfrentando para aprender e quais as possibilidades para mudança que ele apresenta. Os instrumentos não costumam ser os padronizados e sim os jogos, as atividades de expressão artística, a linguagem escrita, as leituras e dramatizações, etc. Enfim, atividades que valorizem o que a criança sabe, que estimulem a expressão pessoal, o desejo de aprender e sua possibilidade de amadurecer, vencer situações e resolver problemas. Os psicopedagogos, tanto em clínicas quanto nas instituições, trabalham com diagnóstico e intervenção.Por tudo o que aqui foi descrito é que estamos lutando pela regulamentação da profissão de Psicopedagogo. Entendemos que, se o projeto de lei que regulamenta a nossa profissão for aprovado, poderemos cuidar da qualidade dos cursos oferecidos e estender o atendimento à comunidade como um todo, já que poderemos participar de concursos públicos, de convênios, etc. A aprovação do projeto de lei será uma oficialização do que já está socialmente reconhecido. A Associação Brasileira de Psicopedagogia é uma entidade de caráter científico cultural. Fundada em 1980, tem como objetivo principal congregar profissionais psicopedagogos e profissionais afins e promover estudos, pesquisas, cursos, encontros e compartilhamentos. Temos hoje, no Brasil, uma sede nacional localizada em São Paulo, doze(12) seções, onze (11) núcleos que atendem a todo o território nacional.Obviamente que muito ainda necessitamos avançar, mas já conseguimos nos fazer entender, nos diferenciamos e promovemos parcerias sem ocupar ou "invadir o mercado, apenas estamos exigindo uma legalização de uma atuação já legitimada pelo mercado de trabalho" (NOFFS, p 2) As ações que caracterizam uma comunidade cidadã é a luta por uma comunidade justa, equilibrada, constituída a partir de um objetivo comum e bom para todos. Pois bem, isso nos leva ao entendimento da nossa responsabilidade e do nosso compromisso político social de aprender, em cada novo dia, a promover mais aprendizagens. Como nos ensinou Paulo Freire "Ai de nós, educadores, se deixarmos de sonhar sonhos possíveis..."
BIBLIOGRAFIA:BOSSA, Nádia. A Psicopedagogia no Brasil. Contribuições a partir da Prática. Porto Alegre: Artes Médicas: 1994.CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 1996NICOLESCU, Basarab, O Manifesto da Transdisciplinariedade. São Paulo: Triom, 1999NOFFS, Neide. Compartilhando. In: Psicopedagogia. Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia, 1998 N.º 43 (17)RUBINSTEIN, Edith. A Especificidade do diagnóstico Psicopedagógico. In: Atuação Psicopedagógica e Aprendizagem Escolar. Petrópolis: Vozes, 1996
Publicado em 01/01/2000





JOGOS NA EDUCAÇÃO E NO CONSULTÓRIO
Márcia Bertoldi
A escolha dos jogos será definida pelas dificuldades específicas de cada criança, e é neste momento que podemos lidar com as mesmas.
Qual a importância dos jogos no processo educativo?
A infância se caracteriza pelo brincar. É através do brincar que a criança constrói sua aprendizagem acerca do mundo em que vive, da cultura em que está inserida. Os jogos são uma fração, uma pequena parte desta atividade de brincar da criança. Os jogos, pela sua estrutura, representam situações em que a criança tem de enfrentar limites. Não somente os limites das regras a serem respeitadas, mas também seus próprios limites que devem ser superados para que a criança possa ter êxito. Permitem ainda que a criança crie ou modifique as regras, de comum acordo com seus parceiros, propiciando o desenvolvimento de sua autonomia moral.

Que tipos de jogos são utilizados terapeuticamente? A variedade é inesgotável. Abrange tanto os jogos individuais, onde a criança tem de superar seus próprios limites, quanto os jogos cooperativos ou competitivos. Podem ser jogos de mesa ou jogos de computador. Podem ainda ser jogos tradicionais como bolinhas de gude, 5 Marias ou amarelinha. Cada um tem suas possibilidades educativas, o que invalida a classificação entre jogos educativos ou não. Aliás, os ditos “jogos educativos” são os menos adequados, pois são na realidade materiais didáticos um pouco mais atraentes. Não possuem normalmente as características que possibilitam o uso terapêutico no trabalho psicopedagógico, que estão ligados à construção de um cenário lúdico, de desafio, distante da realidade escolar tão impregnada de sentimentos negativos para a criança com dificuldades.

O que os jogos podem trabalhar na criança com problemas de aprendizagem?
Os jogos possibilitam à criança aprender de forma prazerosa, num contexto desvinculado da situação de aprendizagem formal. Facilitam também o vínculo terapêutico, fundamental para que qualquer processo tenha êxito. Através da aprendizagem do próprio jogo, do domínio das habilidades e raciocínios utilizados, a criança tem a possibilidade de redimensionar sua relação com as situações de aprendizagem, com seu desejo de buscar novos conhecimentos. Tem também a oportunidade de lidar com a frustração do não saber, com a alternância entre vitórias e derrotas. Estas mudanças na percepção de si mesmo e do objeto de conhecimento podem ser estendidas às situações de aprendizagem formal, na medida em que se restabelecem o desejo e a confiança da criança na sua capacidade de aprender.
A escolha dos jogos será definida pelas dificuldades específicas de cada criança, e é neste momento que podemos lidar com as mesmas. Existem jogos que trabalham a linguagem, como por exemplo o Jogo da forca, Palavras cruzadas, Risk, Jogo do pato. Outros trabalham com números, como Compre bem, Banco imobiliário. Outros trazem informações sobre diversos temas como Perfil. Existe ainda uma variedade enorme de jogos que exigem estratégia, domínio espacial, verificação de hipóteses, tomadas de decisões. Os jogos de computador são muito bons, e a diversidade de temas é inesgotável, variando de jogos de linguagem, raciocínio, simulações de realidade.
Eu acredito que não exista uma área de dificuldade de aprendizagem para a qual não possamos utilizar o recurso dos jogos.

Hoje as brincadeiras infantis limitam-se aos condomínios ou escola, dado o medo das famílias da violência. Ainda observamos que brinquedos e jogos são industrializados.A criança de hoje, é menos criativa, menos sociável do que a criança de antigamente?
Não vejo que haja uma diferença quantitativa na capacidade criadora e na sociabilidade das crianças atuais. Todo ato humano é criativo. Cada criança é única no seu desenvolvimento, na forma de se relacionar com o meio. Isso é criatividade. A forma como esta criatividade se expressa varia conforme o contexto sócio-cultural em que a criança se situa. Se hoje uma criança de classe média não inventa um brinquedo a partir de uma caixa de sapatos, ela inventa um com Lego. A liberdade de ação e de pensamento outorgadas às crianças atuais, pela família, sociedade e escola faz um contraponto com a existência de jogos industrializados e com a permanência da criança em locais aparentemente protegidos. E se por um lado, o medo da violência prende as pessoas em ambientes criados artificialmente, por outro, as possibilidades de contato são ampliadas nas diversas atividades e grupos de interesse dos quais as crianças participam. O que deve ser considerado é a forma como estes contatos se dão, pois de fato falta às crianças o convívio em um grupo sem a presença organizadora do adulto. Talvez isso tenha influência no desenvolvimento da iniciativa e da autonomia desta geração, mas não podemos hoje ainda avaliar.

Crianças com algum tipo de problema neurológico ou motor utilizam jogos especiais?
Os jogos devem ser escolhidos de acordo com as habilidades das crianças. Assim, se houver a necessidade de jogos desenvolvidos especialmente para determinada criança, é fundamental que isto seja observado. Na grande maioria dos casos, no entanto, podemos somente ter a preocupação de selecionar os melhores recursos existentes, adaptando regras e formas de utilização. É fundamental no entanto que possamos olhar a criança além do seu diagnóstico. A escolha de jogos para um adolescente que dispõe de um raciocínio intuitivo, pré-operatório, por exemplo, é muito diferente da escolha dos jogos para uma criança de seis anos com a mesma capacidade lógica. Os interesses e o conhecimento do mundo destes dois sujeitos são completamente diferentes, apesar da forma de pensamento que os une.

Os educadores estão adotando atividades lúdicas nas escolas? Em que matérias?
Posso falar da realidade de Curitiba, que é a que conheço mais de perto. Observo um número cada vez maior de escolas aonde os jogos vêm sendo utilizados sistematicamente, dentro da sala de aula ou mesmo como uma aula à parte. Isso se nota principalmente com o xadrez, reconhecido por favorecer o desenvolvimento do raciocínio lógico. Algumas escolas ainda fazem um uso mais tímido dos jogos, limitando-os a facilitador de certos conteúdos, principalmente na matemática. Outra já dispõe de salas com professores especializados que possibilitam um uso mais abrangente dos jogos.

Quais são as vantagens de se utilizar o jogo em sala de aula?
São vantagens muito semelhantes às obtidas no trabalho clínico, mas com um caráter notadamente preventivo. A criança que tem seus primeiros contatos com a aprendizagem de forma lúdica, provavelmente vai ter a chance de desenvolver um vínculo mais positivo com a educação formal, vai estar mais fortalecida para lidar com os medos e frustrações inerentes ao processo de aprender. Mas, para que os jogos cumpram seu papel dentro da escola, o professor deve realizar as intervenções necessárias para fazer deste jogo uma aprendizagem. Como nos diz Lino de Macedo, “as aquisições relativas a novos conhecimentos e conteúdos escolares não estão nos jogos em si, mas dependem das intervenções realizadas pelo profissional que conduz e coordena as atividades” (Macedo, Petty & Passos. Aprender com jogos e situações-problema. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000)
Publicado em 21/03/2003 12:42:00
Márcia Bertoldi - Psicopedagoga, formação com prof. Jorge Visca; Mestre em Psicologia - Universidade de Waterloo (Canadá); Pedagoga - Universidade Federal do Paraná; Psicopedagogia clínica - Clínica Psiccampus (Curitiba);Professora de pós graduação da PUC - Pr (Curso de Psicopedagogia); Professora de pós graduação da Famec - Pr (Psicopedagogia) Conselheira eleita da ABPp.

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