quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O QUE VOCÊ APRENDEU HOJE? A ABORDAGEM LÚDICA NA INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA

Michelle Brugnera Cruz
Resumo:Este artigo trata da intervenção psicopedagógica em uma abordagem lúdica como possibilidade importante no tratamento das dificuldades de aprendizagem, bem como trata da importância dos jogos e brincadeiras na aprendizagem infantil e como viabilizadores do trabalho psicopedagógico na reconstituição da alegria e do desejo de aprender.
Palavras-Chave: Psicopedagogia, dificuldade de aprendizagem, intervenção, afetividade, cognição, jogos e brincadeiras.
1 – Sobre a Psicopedagogia e o caso da intervençãoA PSICOPEDAGOGIA é uma nova área de atuação profissional no Brasil. Estuda e lida com o processo de aprendizagem e suas dificuldades. E que numa ação profissional deve englobar vários campos de conhecimento, integrando-os e sintetizando-os. O psicopedagogo é o profissional que, reunindo conhecimentos de várias áreas e estratégias psicológicas e pedagógicas, volta-separa os processos de desenvolvimento e de aprendizagem atuando numa linha preventiva e terapêutica. A Psicopedagogia existe há muitos anos em vários países do mundo: França, Alemanha, Espanha, Argentina, etc. No Brasil, esta categoria começou a organizar-se entre os anos 50 e 60, com a divulgação da abordagem psiconeurológica do desenvolvimento humano.Nos primórdios do movimento educacional e psicológico do início do século, a tendência era compreender a razões do insucesso das crianças na escola, apenas no aluno, nas suas características individuais. Posteriormente, a teoria da carência cultural bastante difundida nas décadas de 60 e 70, buscava explicações para o fracasso escolar a partir da análise do meio cultural deficitário dos alunos e alunas. Em 1980, foi fundada em São Paulo, a Associação Brasileira de Psicopedagogia, e uma de suas metas foi a divulgação do campo de atuação profissional do psicopedagogo.Segundo CASTANHO (2004) a compreensão do insucesso escolar é a identificação com teorias que buscam compreendê-lo a partir dos seguintes aspectos: relação que o sujeito da aprendizagem estabelece com o conhecimento e o saber; relação professor-aluno; manejos inadequados nas instituições que provocam dificuldades de ordem reativa; visão do aluno como um todo; consideração do contexto onde ele se insere como importante para esclarecer sua relação com o conhecimento. (pág.227) Atualmente, o campo psicopedagógico encontra vasto referencial bibliográfico quanto ao processo diagnóstico, assim como sobre o espaço de atuação do psicopedagogo. Entretanto há pouca bibliografia sobre a intervenção psicopedagógica, das técnicas utilizadas que diferenciam esse profissional do psicólogo e do professor.Qual é a causa da omissão das práticas dessa área do conhecimento? Para CORRÊA (2002):
O significado do silêncio sobre o aspecto interventivo (ou seja, como é necessário atuar diante de um sujeito diagnosticado como apresentando dificuldades de aprendizagem) constitui-se no fato de que não existem caminhos definidos sobre a atuação do psicopedagogo; o que existe são práticas construídas no dia-a-dia empiricamente, sem que o apoio teórico aparece como fator indispensável. Esse fenômeno, o qual denomino movimento comissivo por omissão, faz com que muitos sujeitos que deveriam vivenciar processos genuinamente psicopedagógicos sejam “tratados” com professores particulares intitulados psicopedagogos, ou por psicólogos novamente rotulados pela Psicopedagogia. (pág. 179)
Para que, cada vez mais a psicopedagogia se consolide teoricamente e quanto área de atuação profissional, é necessário que se faça conhecer a sua prática, que se possa debater, criticar, que haja referencial bibliográfico sobre processos de intervenção a fim de que se legitime uma identidade profissional trazendo conseqüências positivas ao sujeito-aprendente.
2 – Proposta Lúdica de Intervenção Psicopedagógica
Agora eu era o heróiE o meu cavalo só falava inglês...Eu enfrentava os batalhões,Os alemães e seus canhões.Guardava o meu bodoqueE ensaiava o rockPara as matinêsAgora eu era o rei, Era um bedel e também juizE pela minha leiA gente era obrigado a ser feliz.
Chico Buarque“João e Maria”

As brincadeiras e jogos são terapêuticos por serem um espaço simbólico em que o sujeito irá integrar o mundo interno e externo. Através da brincadeira, a criança constrói uma ponte por onde passar dos significados simbólicos dos objetos para a investigação ativa de suas verdadeiras funções e particularidades.O lúdico é um espaço mental, uma realidade intermediária entre o mundo interno e o mundo externo que, segundo WINNICOTT (1975), se origina na relação mamãe-bebê. Para o bebê, ele e sua mãe formam uma unidade, uma simbiose. Toda a satisfação provinda dessa relação, o bebê acredita que foi ele que criou. Nos momentos de separação entre a mãe e o bebê, na falta dessa mãe, vai se construindo a individuação, através da experiência da desilusão e a esperança de que a mãe voltará. O lúdico se origina desse suportar a ausência da mãe, pois na mente sua existência está registrada. Essa experiência é chamada de Fenômeno Transicional, que ensina a enfrentar o medo do novo, carregando a confiança apesar da ambigüidade e das dificuldades. Dessa forma, o lúdico supõe vínculo, interação, diálogo e confiança.É no brincar que a criança se inteira do mundo interno e externo podendo integrar o princípio do prazer com o da realidade, moderando suas exigências internas com o que é factível. Isto é, através dos jogos é possível aprender a satisfazer as exigências internas e externas beneficiando a si próprio e aos outros.Para BETTELHEIM (1988):
A criança aprende com sua brincadeira que pode ser o senhor supremo, mas apenas de um mundo caótico: se quer assegurar pelo menos algum domínio sobre um mundo estruturado e organizado, ela deve renunciar ao seu desejo “infantil” de domínio total e chegar a um acordo entre esses desejos e a dura realidade- i.e. as limitações de construir com blocos. Aprende enquanto repete seguidamente a experiência que o desejo de exercer domínio total derrubando a torre de blocos leva ao caos. Nos jogos e brincadeiras, a criança é convidada a criar um mundo simbólico, uma nova oportunidade de ser, conservando suas características próprias e desafiando suas dificuldades. Além de desenvolver aspectos intelectuais, trabalham a perseverança, a persistência; sendo que alguns jogos exigem atenção redobrada e não são resolvidos com facilidade. Esse aspecto é fundamental para a intervenção psicopedagógica, pois através de uma abordagem lúdica, pode-se trabalhar a busca do êxito em múltiplas tentativas-erro, a persistência e a segurança de que o mundo não irá acabar se a criança perder o jogo.PIAGET (1990) expõe a natureza do jogar e do aprender brincando e propõe uma classificação geral, partindo da idéia de que o jogo evolui e muda ao longo do desenvolvimento humano em função da estrutura cognitiva, do modo de pensar concreto de cada estágio evolutivo. Em conseqüência, podem ser destacados quatro categorias de jogos: de exercício, de construção, simbólico e de regras (MURCIA, 2005).Propondo brincadeiras simbólicas, teatro, psicodrama, pode-se compreender como uma criança vê e constrói o mundo, quais as suas preocupações e aflições, que problemas a inquietam, seus sonhos e ideais. Pela brincadeira, ela expressa o que teria dificuldade de colocar em palavras.Os jogos possuem um caráter distinto do psicodrama, pois exigem regras e os seus instrumentos devem ser utilizados do modo para o qual foram criados, respeitando a proposta e o desafio do jogo. Não se pode esquecer que nos jogos de regras há também o propósito de ganhar.Segundo BETTELHEIM (1988), para crescer e ser bem sucedido, é fundamental enfrentar a realidade em todos os seus aspectos e isso é possível através do jogo, uma vez que permite à criança aprender prazerosamente encorajando-a a fazer novas descobertas. O prazer do jogo contrapõe as frustrações envolvidas, a derrota pode ser suportável, já que o jogo em si e as interações propiciam compensações.
3 – “O que você aprendeu hoje?” O papel do Psicopedagogo:Para FERNÁNDEZ (1991), o aprender é um diálogo com o outro. Supõe a energia desejante, o desejo de dominar. Saída da onipotência, contato com a fragilidade humana, alegria da descoberta, desprender-se, libertar-se.05Envolve o corpo e o prazer. Para aprender, precisamos da criatividade, do desejo e das ferramentas. A aprendizagem mais profunda se dá com a brincadeira. O espaço mental do aprender é o mesmo espaço mental do brincar. Propor jogos e brincadeiras como proposta de intervenção visando a reconstrução, o resgate do prazer de aprender é fazer reviver o desejo pelo conhecimento em contraposição às memorizações e atividades sem sentido. Dessa forma, a ação psicopedagógica no jogo é desafiadora, problematizadora e reflexiva.O jogo deve estar contextualizado e ter como desenvolvimento um diálogo entre terapeuta e paciente. O psicopedagogo deve fazer constantemente questionamentos sobre a ação do sujeito e, ao final do jogo, a criança responde a um relatório retomando o que foi aprendido: “o que você aprendeu hoje?”.Os questionamentos constantes visam desequilibrar as construções de seus pacientes. Para BALTAZAR (2001)
O psicopedagogo pode e deve ocupar o seu lugar de mediador e desequilibrador nas construções e reconstruções cognitivas de seus pacientes, trabalhando inclusive com seu funcionamento a fim de que possam buscar cada vez mais a adaptação (no sentido piagetiano). É preciso, no entanto, estar ciente de que não se pode construir por eles, já que este processo é, em última instância, individual – porque envolve coordenação de ações e pontos de vista em nível endógeno, tornando-o um movimento realizado única e exclusivamente pelo sujeito. (pág.62)
Ao fazer perguntas constantes para a criança, pretende-se ingressar no seu raciocínio, entender como pensa espontaneamente. É fundamental que o psicopedagogo saiba observar, deixe a criança se expressar e ao mesmo tempo, tenha um olhar preciso, uma hipótese, uma teoria que o oriente.
4 – Intervenção Lúdica Temperada pela AlegriaPara WEISS (2004) “a relação entre terapeuta e paciente nasce de maneira aberta, relaxada, acolhedora, sorridente, com que nos dirigimos à criança e ao adolescente.” Para que essa relação seja possível, é imprescindível para as sessões a presença da ALEGRIA, palavra derivada de ALICER, que significa vivo, animado. A alegria é a luz que distingue a vida. Da alegria nasce a esperança, pois permite sustentar os momentos necessários de desilusão. O bom humor é um posicionamento, uma atitude. Abre espaço entre o sujeito e o pensável para que ocorra o pensar. O psicopedagogo deve abrir espaços e tornar possível a alegria. A alegria também surge do desafio, a alegria crítica, que só surge da autoria. Segundo WEISS (2004),
É fundamental falar dos aspectos positivos do paciente, nos aspectos que levam à valorização do que faz melhor, nas relações desses pontos com a perspectiva de melhoria escolar ou de seu futuro em geral. Esse momento é importante para a reformulação da auto-imagem e de avaliações distorcidas feitas pelos pais. (pág. 131)
A psicopedagogia trabalha com pessoas marcadas pela difícil aprendizagem. Os sujeitos se fazem na e pela linguagem, dessa forma. É fundamental que o psicopedagogo reformule essa imagem feita de seu paciente através de sua linguagem, falando dos seus aspectos positivos, valorizando suas qualidades e conquistas.Para ANTELO (IN: MELILLO, 2000)
Aquele que fracassa, para nós, é alguém e quem algo pode acontecer: Aquele a quem nada pode acontecer chamamos de vítima. Esta é a diferença entre um menino pobre e um pobre menino. A compaixão e a piedade pelas vítimas tiram de nós a responsabilidade de pensar naquilo que possa fazer de alguém outra coisa radicalmente diferente do que ele é. (pág. 88)
Vivemos em uma época de supervalorização dos sintomas e diagnósticos, transformando nossos pacientes em vítimas com pouca esperança de superação de seus problemas. Para além dos laudos, é necessário valorizar o paciente e construir caminhos de reformulação da auto-imagem, recuperando a esperança e fazendo nascer a alegria que só nasce da autoria e da ressignificação (FERNÁNDEZ, 2001).
ConclusãoParafraseando Chico Buarque, a intervenção psicopedagógica lúdica pode ser compreendida como um trabalho dialógico junto à criança, buscando resgatar a alegria, a felicidade e o prazer de aprender, dando sentido ao conhecimento, estruturando o saber para que o sujeito possa construir sonhos e se ver como capaz de idealizar, superar desafios, solucionar problemas, elaborar projetos, ter fé em si e construir um novo EU.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBALTAZAR. Márcia Corrêa. As concepções de aprendizagem como alicerces do fazer psicopedagógico. IN: Revista Ciências e Letras. Número: 30. Porto Alegre, Jul./dez 2001BETTELHEIM, Bruno. Uma Vida para Seu Filho: pais bons o bastante. Rio de Janeiro: Campus, 1988.CASTANHO, Marisa Irene. NOFFS, Neide de Aquino. RUBINSTEIN, Edith. Rumos da Psicopedagogia Brasileira in: Psicopedagogia. Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia. Número: 2004.CORRÊA, Márcia Amaral. As produções de texto na escola: um caminho para o desenvolvimento cognitivo e moral do sujeito. Porto Alegre: Alcance, 2000.CORRÊA, Márcia Amaral. A Relevância da Psicopedagogia na intervenção adulta: traçando novas possibilidades. IN: IN: Revista Ciências e Letras. Número: 32. Porto Alegre, Jul./dez 2002.FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas , 1991FERNÁNDEZ, Alicia. O Saber em Jogo. Porto Alegre: Artes Médicas , 1991FERNÁNDEZ, Alicia. Psicopedagogia em Psicodrama: morando no brincar. Porto Alegre: Vozes, 2001MURCIA, Juan Antônio Moreno (org.). Aprendizagem através dos Jogos. Porto Alegre: Artmed, 2005MELILLO, Aldo. Resiliência: descobrindo as próprias fortalezas. Porto Alegre: Artmed, 2005.WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia Clínica: Uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro: DR&A, 2004.WINNICOTT, D. W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança.Rio de Janeiro: LTC, 1990
Publicado em 02/02/2007 14:38:00
Michelle Brugnera Cruz - Professora da Educação Infantil; Orientadora Educacional; Pedagoga,estudante de Psicopedagogia
Atendimento Psicopedagógico
A Psicopedagogia estuda o processo da aprendizagem humana e suas dificuldades, atuando em caráter preventivo e terapêutico.O Trabalho Psicopedagógico tem como objetivo garantir a aplicação do raciocínio na manipulação do conteúdo escolar e cultural de maneira que o indivíduo se identifique e se aproprie da utilização dos conceitos aprendidos em qualquer situação.O Atendimento Psicopedagogico é composto de duas etapas:Diagnóstico: A avaliação é composta de aproximadamente 8 encontros semanais, sendo 6 sessões com a criança e duas com os pais. Na última sessão é entregue o resultado das avaliações com o parecer e possíveis indicações.Intervenção tratamento : Durante a intervenção os pais ou responsáveis terão devolutivas do trabalho que vem sendo desenvolvido, bem como, progressos e resultados. A escola também receberá nossos relatórios e visitas como continuidade da parceria proposta na avaliação.
Autor: Valéria Tiusso Segre Ferreira

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