sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O desafio de ensinar a aprender para continuar aprendendo

Uma experiência mostra algumas das condições fundamentais para ensinar o aluno a aprender, ajudá-lo a tomar consciência do que sabe e a continuar aprendendo pela vida afora.Este artigo tem a intenção de evidenciar a importância de se pensar na educação partindo da premissa de que o ensino da leitura e da escrita deve contribuir para que eles possam aprender para continuar aprendendo fora da escola. O exemplo de um Projeto realizado no ensino fundamental contribuirá para tratarmos do tema em questão.Durante um longo tempo em nosso país, acreditou-se que seria suficiente ensinar aos alunos as letras, as sílabas, às palavras, a escrita com letra cursiva e que depois, sozinhos, eles teriam condições de ler e escrever todos os gêneros textuais e, assim, continuar aprendendo dentro e fora da escola. Podemos verificar o fracasso dessa concepção não só na quantidade de não-alfabetizados, com na de analfabetos funcionais (adultos que dominam o sistema de escrita, mas que não conseguem utilizar a leitura e a escrita com sua real função de uso) que o sistema gerou, mas também naqueles que teoricamente não fracassaram, já que conseguiram continuar estudando. Muitas vezes, mesmo freqüentando faculdades ou centros universitários e embora tenham passado no mínimo 11 anos nas escolas de ensino fundamental e médio, esses alunos apresentam dificuldades básicas em relação à leitura e à escrita de textos.Hoje, sabemos que o ensino da leitura e da escrita dos diferentes gêneros textuais deve ocorrer concomitantemente ao ensino do sistema de escrita, pois este último materializa-se nos gêneros. Por isso, torna-se evidente a importância de pensar na educação de um modo geral, postulando que o ensino da leitura e da escrita para aprender a aprender não se reduza aos manuais escolares e contemple textos que envolvam processos argumentativos, explicativos e expositivos, os quais têm a função predominante de informar e que aqui chamaremos de informativo-científicos. Para a nossa discussão, também incluiremos textos jornalísticos (notícia, reportagem, artigo de opinião e entrevistas). É importante ressaltar que não descartaremos a relevância e outros gêneros textuais, como contos, poemas, provérbios, receitas, manuais de instrução, etc., para aprendizagem da leitura e da escrita com autonomia. Contudo, nosso objetivo principal é abordar a leitura e a escrita para aprender a estudar.Em geral, os professores do curso em andamento afirmam que os alunos não sabem ler e compreender os textos mais complexos. E é preciso que o aluno tenha autonomia para estudar e buscar informações. A instituição escolar ainda está pouco preparada para ensinar os alunos procedimentos que realmente propiciem maior autonomia para a aprendizagem. Daí a proposta de montarmos o projeto Oficinas de Leitura e Escrita, com o objetivo de que aprendam procedimentos de escrita e leitura a partir do estudo sobre doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e AIDS, com a confecção de um painel de textos produzidos pelos alunos do tipo "Você sabia?".
Ensinando a aprender, para aprender mais
Os professores selecionam semanalmente para o jornal mural aquelas notícias que julgam pertinentes à leitura dos alunos, utilizando os modelos de organização das editoras nos jornais de grande circulação: Mundo, Brasil, Eventos Culturais, Quadrinhos, Horóscopo, Moda, Saúde, Classificados. Etc.Por meio do jornal mural divulgamos a realização da oficina sobre DTSs e AIDS. A partir desse anúncio, os alunos deveriam fazer sua inscrição. Em turnos diferentes, montamos dois grupos, misturando alunos das diferentes séries da educação. O critério de formação dos grupos foi reunir alunos que tivessem o desejo de ler e escrever melhor os textos informativos.Em caráter experimental, a oficina contabiliza 24 horas e acontece uma vez por semana. Nosso principal objetivo é que os alunos tomem consciência de alguns procedimentos necessários para aprender a aprender. Assim, definimos alguns princípios norteadores do desenvolvimento do trabalho.
1. É preciso partir daquilo que os alunos já sabem.Uma das condições para ensinar os alunos a aprender para continuarem aprendendo vida afora é ajudá-los a tomar consciência do que sabem. Para tanto, é necessário que o professor não só acredite que os alunos têm conhecimentos e condições necessárias para aprender, como também explicite isso em suas atitudes. De que modo o professor pode realizar essa tarefa? Planejando atividades com o que os alunos trazem com o que eles precisam saber.
Exemplo prático: a partir de uma situação problema sobre DSTs e AIDS, os alunos teriam de escrever o que sabiam sobre o assunto. Este foi nosso primeiro material de análise sobre a escrita dos alunos e também a forma pela qual pudemos saber quais eram as hipóteses de cada uma sobre o tema, que tipo de informações traziam se de fato tinham algum fundamento científico para, com base nessas informações, elaborar a próxima situação de estudo. É interessante ressaltar que não existiam grandes diferenças entre o que os alunos dos diferentes níveis (5ª a 8ª séries ) sabiam sobre o assunto.
2. É preciso que os alunos aprendam o organizar e relacionar as informações que já possuem com as que estão adquirindo.É importante que o professor ajude os alunos a estabelecer relações entre o que já aprenderam e o que estão aprendendo, criando em sala de aula um ambiente favorável à troca de idéias. Isso significa que os professores devem constantemente propor questões que possibilitem aos alunos refletir sobre o que sabem e o que estão aprendendo. Outras vezes, é o professor quem explicita as relações que ele pode estabelecer entre um conhecimento e outro. As perguntas e as relações verbalizadas ajudam os alunos a perceber que a construção de conhecimento ocorre por meio de sucessivas reorganizações, as quais são feitas a partir de novas relações. O professor pode dizer "Eu nunca havia pensado que tal fato tem relação com isso" (evidentemente, se isso de fato for verdadeiro), ou "A informação que tal aluna trouxe tem relação com determinado assunto estudado", ou ainda, "Eu assisti um filme sobre como as pessoas portadoras de hanseníase eram tratadas em determinado momento histórico e o relacionei com o preconceito que muitas pessoas têm ainda hoje com portadores do HIV".
Exemplo prático: após a leitura de uma notícia de jornal que comentava fatores que interferiam no tratamento da AIDS e o prejudicavam, uma aluna comentou que era portadora do vírus HIV e que havia abandonado o tratamento porque acreditava estar curada, já que estava assintomática e atribuía sua "cura" ao trabalho realizado em um culto religioso. Por meio da leitura de texto e do seu depoimento, abordamos outras questões delicadas e igualmente importantes de serem incluídas no trabalho escolar: o preconceito, o papel da medicina e da religião, etc. Nessas situações, os alunos não só encontram uma possibilidade de testar e validar seus saberes, como também tem a oportunidade de rever conceitos e pré-conceitos, compreendendo que muitos conhecimentos e valores que construímos são fruto das informações que temos sobre determinado assunto.
3. É preciso que os alunos aprendam a formular perguntas sobre o que querem aprenderPodemos dizer que formular perguntas é uma condição para se continuar aprendendo fora da escola. Este é um momento muito importante do trabalho, pois o professor deve ajudar os alunos a estabelecer uma relação entre atividade anterior e a atual, isto é, sobre o que sabiam ou pensavam saber, o que querem saber e o que quer que eles saibam. Por ser uma condição que se adquire novas informações, a formulação de perguntas deve ser realizada sistematicamente, e não só no início do desenvolvimento do estudo. Ter consciência de que esse é o primeiro passo para a busca de respostas, de novos conhecimentos, é um conteúdo fundamental que a escola deve ensinar.
Exemplo prático: no decorrer da primeira situação de levantamento e organização das perguntas, uma aluna fez o relato de suas experiências a partir de uma pergunta sobre a possibilidade de a AIDS ser transmitida por meio do beijo. Ela contou que seu marido era portador do vírus HIV, mas ela não. Assim, ao acompanhar o marido em seu tratamento, ela havia adquirido muitas informações a partir das dúvidas que levava para os médicos.
4. É preciso que os alunos aprendam como e onde podem encontrar informações sobre o assunto.No desenvolvimento de um estudo, é fundamental que o professor diversifique as fontes de pesquisa e, mais ainda, que organize a atividade para que as tarefas sejam distribuídas entre os alunos. Do contrário, buscar informações para contribuir com a ampliação dos conhecimentos dos colegas torna-se completamente sem sentido. Se todos têm uma mesma questão, um mesmo material de pesquisa, no que de fato cada um pode contribuir par a ampliação dos conhecimentos dos outros? Um estudo como esse pode ser uma grande experiência para a vida, ou melhor, para aprender que o conhecimento também é construído coletivamente, que é necessário aprender a se organizar em grupos, a distribuir tarefas, e que não existe uma única maneira de se encontrar respostas.
Exemplo prático: realizamos um levantamento sobre onde poderíamos obter respostas para tantas questões levantadas (em um dos grupos, foram 43 perguntas). A primeira resposta dos alunos foi a de que as informações encontram-se nos livros. Depois é que foram refletindo que jornais, revistas e folhetos também podem ser preciosa fonte de pesquisa. Os filmes e as entrevistas não entraram nesse rol; os professores é que foram os informantes de tais possibilidades.
5. É preciso que os alunos aprendam a desenvolver procedimentos que os ajudem a localizar a informação com eficácia.Um dos fatores que podem ajudar os alunos na busca por informações mais precisas é a clareza sobre as perguntas que direcionam sua pesquisa e o que deve ser feito com as informações apuradas. Um dos procedimentos que temos enfatizado é que grifem no texto as informações que julgam pertinentes em função das perguntas que formularam nos diversos momentos do estudo. Depois disso, realizamos coletivamente uma lista das informações selecionadas para analisar quais são as mais pertinentes e relevantes em relação ao que está sendo pesquisado no momento.
Exemplo prático: os alunos sempre tinham de buscar informações específicas, com objetivos claros, como responder a uma ou mais perguntas que o próprio grupo havia elaborado, ou selecionar uma informação que julgavam ser muito importante para incluir no texto "Você sabia?", um dos conteúdos do painel do projeto.
O que pretendemos aqui é tornar evidente a necessidade de transpormos a idéia de aprender para aprender do discurso dos educadores para situações praticas de ensino. Neste artigo, apresentamos de forma breve algumas das condições fundamentais para ensinar o aluno a aprender, para ajudá-lo a tomar consciência do que sabe a continuar aprendendo pela vida afora.
Marta Durante é pedagoga, mestre em Educação, professora do Centro Universitário FIEO


Nenhum comentário:

Postar um comentário